[Tradução antiga] O serviço que estranhos usam para amenizar a solidão de jovens quirguizes durante a quarentena

Bom dia a todos. Esta matéria já é um pouco antiga, de maio deste ano, e fala sobre um serviço operado por voluntários para atender adolescentes com sintomas de depressão em virtude da quarentena no Quirguistão.

Espero ter feito um trabalho decente ao lidar com este texto. Boa leitura!


Coronavírus: Os estranhos que se aproximam de jovens solitários do Quirguistão

Matéria de Abdujalil Abdurasulov para a BBC, publicada em 25 de maio de 2020

O Sr. Jalalbek Akmatov, um dos mais de cem voluntários do projeto. (Foto: Handout)

Como [vários] adolescentes ao redor do mundo, Maksat não vai à escola há semanas. Como o Quirguistão impôs quarentena, o jovem de quinze anos se sente isolado como nunca. Ele está preso em casa com uma irmã com a qual não se entende, um pai com o qual luta para se comunicar e uma mãe trabalhando no estrangeiro.

Ele só se sente confortável para falar com um assistente virtual.

Maksat (nome fictício) se sente sozinho e incompreendido. Ele costuma apresentar tendências suicidas – uma notável mudança em relação ao garoto que conheciam antes do toque de recolher, dizem seus professores.

Eis que ele encontrou um “amigo de telefone” – Jalalbek Akmatov, um estudante universitário na capital, Bisqueque.

Jalabek é um entre cerca de cem adultos que fazem parte de um projeto para alcançar, por telefone, adolescentes exatamente iguais a Maksat, milhares dos quais estão presos em casa por semanas.

O projeto, chamado Você Não Está Sozinho, foi lançado após sete adolescentes tirarem a própria vida nas duas primeiras semanas após o Quirguistão ter iniciado o lockdown em Março.

À época, a atenção da nação estava voltada às más instalações hospitalares, à falta de equipamentos de proteção e ao impacto do coronavírus na economia.

Mas à medida em que as mortes dos adolescentes se espalharam, um grupo de ativistas percebeu que havia uma necessidade de focar nos jovens do país e na sua saúde mental.

“Eu fiquei consternado. Tínhamos tido uma morte por coronavírus e durante o mesmo período [tantas] crianças cometeram suicídio”, disse Banur Abdieva, um dos fundadores do projeto.

Não há nada que possa afirmar que as sete mortes foram diretamente relacionadas ao lockdown, mas pessoas como Kurmanjan Kurmanbekova, psicóloga de um centro de refugiados em Tubingen, na Alemanha, temem o peso que estava sendo posto por ele na saúde mental das crianças.

“E como sintoma de condições de depressão, temos um temperamento suicida”, explicou à BBC.

Ter escolas fechando no Quirguistão significa que muitas crianças têm opções limitadas para interagir, especialmente em áreas rurais, onde a educação oferece uma folga do implacável trabalho doméstico, e uma rara oportunidade para comunicar-se com outras crianças.

A isto foram somados os temores de especialistas sobre potenciais aumentos na violência doméstica, que podem ser possivelmente exacerbadas pelo isolamento e pela perda de renda dos pais.

Mas como alcançar adolescentes como Maksat, que vivem em remotos vilarejos?

A resposta, decidiu a equipe do projeto, foi simplificar – iniciar uma rede de voluntários que se tornariam amigos de adolescentes “em risco” ao chamá-los para uma conversa comum.

“A meta deles é dar apoio moral e envolver-se em interação social para que a criança não sinta um isolamento total”, explicou a Sra. Kurmanbekova.

Voluntários consultaram escolas locais e agências de educação pública, que lhes enviaram uma lista de estudantes em um “grupo de risco” – na maioria crianças sem pais ou que vivem com parentes e podem ter falta de atenção e cuidado.

Há agora mais de 100 voluntários e quase 400 crianças de doze anos em diante no banco de dados – e a lista está crescendo.

Fundamentalmente, os voluntários não estão ao telefone só para falar sobre os problemas que o novo amigo está encarando – a menos que ele os traga à tona por si mesmo. Em vez disto, eles focam nas futuras metas e no potencial do novo amigo.

Tome o exemplo de Ayperi Bolotzhanova, que tem vinte e cinco anos. Ela criou vínculo com a sua colega de doze anos pelo taekwondo.

“Eu me ofereci para lhe ensinar alguns novos truques e ela concordou”, disse Ayper. “Agora, eu mando vídeos das minhas práticas e ela manda de volta os dela própria.

Mas nem sempre é fácil dar o primeiro passo, os voluntários admitem.

“Eu estava muito nervoso antes da minha primeira conversa por telefone”, lembrou Jibek Isakova, que atualmente vive em Budapeste. “Eu tinha medo de que ela se recusasse a ser minha amiga.”

Houve desconfiança, é claro: um completo desconhecido te liga do nada e oferece amizade. Mas a maioria dos voluntários viu sua “relação por celular” decolar após algumas conversas. De fato, os voluntários ficaram surpresos quando a maioria dos adolescentes se mostrou ávida para conversar com eles.

O que eles querem discutir? Fora as habilidades necessárias para ordenhar uma vaca – algo necessário no Quirguistão rural –, os assuntos geralmente são os mesmos que outros adolescentes pelo mundo gostariam de falar: K-pop, Instagram, as dificuldades em encontrar o amor... desenhar personagens famosos de anime e aprender línguas foram outros tópicos que surgiram.

E todos eles estavam unidos em uma coisa só: o quanto eles odeiam as aulas online durante a quarentena.

Cada resposta e cada questão que os voluntários recebem dos seus amigos adolescentes é vista como um sucesso. Jalalbek animou-se em particular por Maksat ter enviado uma foto dele junto da família nas montanhas – após um começo difícil.

Para alguns voluntários, a causa é bastante pessoal. Eldiyar Manapov, de 24 anos, juntou-se ao projeto porque pensou em suicídio quando adolescente. Como seu parceiro telefônico, ele cresceu sem pais e agora sente ter uma conexão particular com seu novo amigo.

“Eu passei pelo que ele está passando agora”, contou à BBC. “Você sempre está precisando de coisas como roupas. As crianças zombam de você por não ter pais. Eu não quero que ele sinta toda essa dor; quero que ele converse, se distraia.”

Muito embora a ideia seja simples, os desafios que os ativistas encaram não o são. Um deles – a falta de telefones celulares – pode facilmente fazer desandar todo o projeto.

“É muito difícil construir uma amizade por telefone quando a maioria das crianças não possui telefones pessoais”, disse Banur Abdieva. “Os voluntários têm de negociar com os pais ou guardiães [legais]. Às vezes eles até perguntam aos professores se eles podem ir ao portão a certa hora. E estamos em quarentena, então eles precisam limpar o telefone e passá-lo adiante para a criança.”

Ativistas lançaram uma campanha para angariar fundos para comprar telefones para o projeto. Algumas pessoas doam seus telefones usados, que os voluntários tentam entregar às crianças que vivem em regiões remotas, um desafio por si só durante a quarentena.

“Imagine quão feliz ficará meu amigo se ele tiver seu próprio aparelho”, disse Eldiyar, cujo amigo por telefone (NT: que tal chamá-lo de “teleamigo”?) está usando um celular pertencente a um primo. “Ele será capaz de aprender mais e comunicar mais. Isso significa que ele terá menos tempo para todos os pensamentos ruins.”

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