Carta 1 — Apresentação do Nation CRF, projeto de tradução multilíngue
“Traduzir é conviver.” — João Guimarães Rosa. Epígrafe do livro “Escola de tradutores”, de Paulo Rónai
O Nation CRF é um perfil que iniciei em Agosto de 2020, durante a pandemia, com dois objetivos principais:
1) conservar meus conhecimentos de francês do ensino médio e estudo autodidata, por meio de um ofício que me permitia treinar minhas habilidades de tradução diariamente;
2) divulgar o noticiário do clube para o público francófono, que por barreiras linguísticas e comerciais não tinha acesso a conteúdos do Flamengo (e do desporto latino-americano como um todo) em sua língua principal.
As principais atividades do projeto eram voltadas para a tradução do noticiário rubro-negro para o francês, com algumas inserções ocasionais em inglês à meu próprio gosto, além da cobertura por texto, em tempo semi-real (i.e. com alguns segundos/minutos de atraso) dos jogos do futebol masculino profissional do clube. Nesta brincadeira minha, cobri vários jogos importantes em francês, como as finais da Libertadores em 2021 e 2022, a rodada final do Brasileirão de 2020 e a final da Copa do Brasil de 2022, além de alguns jogos do Flabasquete, como a final da BCLA de 2021 e da Intercontinental de 2022 — todos evidentemente feitos “de tubo”, à distância, pois moro do outro lado do país e meu acesso principal aos jogos vem pela televisão.
Vários materiais para divulgação de jogos, de cartazes a placas de evento (para ajudar a situar visualmente o leitor caso a comunicação em palavras falhasse).
De 2020 até a suspensão do Twitter no Brasil, o projeto tinha um séquito de cerca de 750 seguidores. Do ponto de vista comercial e de alcance geral, foi um relativo fracasso de público quando comparado com outras páginas que seguem o clube. Mas é um fracasso que relevo por vários motivos:
— Muitas das páginas de maior alcance são profissionalizadas, com membros que são ou estudantes de jornalismo ou jornalistas já formados. O mais próximo que tenho disto é uma formação em Letras (Português-Inglês), que acabara de dar início na época em que o perfil foi criado. Não tenho como comprtir com quem é profissional de ofício, nem é minha intenção.
— O serviço de tradução provido por mim, além de poder ser feito em parte por máquinas, tinha algumas deficiências recorrentes por conta da dificuldade em encontrar materiais temáticos sobre esportes do francês para o português. Não há um dicionário Field de termos futebolísticos entre francês e português, por exemplo, o que significa dizer que o tradutor responsável por verter expressões esportivas do português pro francês precisa por vezes ou recriar algo do zero (como uma calque) ou procurar termos e expressões em inglês para só depois avaliar traduções para o francês, o que nos estudos da tradução recebe o nome de “tradução indireta” — a tradução de uma língua-fonte para uma língua-alvo por meio de uma tradução em língua intermediária, ou seja, uma tradução de outra tradução. Isso é um trabalho um tanto comolicado de se fazer caso não haja uma esquematização forte de cada conteúdo, coisa que nunca cheguei a fazer tanto no perfil por ser primariamente um hobby, e não um trabalho fixo.
Páginas de 2018 do dicionário Field, hoje aparentemente desativado. Versão arquivada disponível (até Deus e os juízes americanos sabem quando) em: https://web.archive.org/web/20181223205838/http://dicionariofield.com.br/home
— Todo crescimento em rede social depende, até certo ponto, de saber como criar conteúdos que caiam nas graças do público cativo e dos algoritmos que podem amplificar as suas vozes para públicos mais amplos. É um tipo de otimização que nunca soube fazer direito, em parte porque nunca encarei o Nation como um trabalho que pudesse ser remunerado na forma como o concebi.
E de todo modo, o nicho em que o perfil atua é bem pequeno mesmo. O campeonato brasileiro ainda tenta se firmar na Europa e nos mercados emergentes, mas faltam direitos de transmissão para o exterior, e a desorganização dos clubes e da CBF até aqui não ajudou em grande coisa. Tentar criar um nicho esportivo em outro país é trabalho de formiguinha que leva anos ou décadas pra conseguir. Basta perguntar aos fãs de futebol americano a respeito disto - foram quase quatro décadas de transmissões regulares para o Brasil até conseguirem um nicho grande o bastante para que a NFL trouxesse um jogo para este solo pátrio. Os donos de perfis dedicados a essas ligas de menor apelo midiático por vezes têm o desejo de conseguirem ajudar a fazer crescer um nicho grande o bastante para ser notado pelo público geral, pelas ligas e pela mídia. É um sonho difícil, mas a esperança é a última que morre (e a primeira que mata, mas pouco nos importa). E eu, como esperantista, também partilho dessa mesma esperança meio tênue - já nos deram a língua por morta tantas vezes!
Depois do bloqueio do Twitter no país, o meu perfil pessoal no Bluesky acabou recebendo vários seguidores que vieram do Twitter pra cá, sendo que alguns deles já conheciam o projeto antes da decisão entrar em vigor. Não sei até quando essa situação vai durar, e é em parte por isso que não recriei o perfil nesta rede. A outra parte tem a ver com um dos motivos pelos quais reduzi minha atividade na conta nos últimos dois anos: a quantidade extensa de discussões e xingamentos nas bolhas de futebol, por várias questões — brigas por calendário e lesões com a CBF, trocas de acusações entre torcedores “mistos” e “puristas”, bairrismo pra justificar presença no estádio, cantos argentinos vs. nacionais e mais uma torrente de outros temas. É briga quase todo dia, e no fim todo mundo parece estar certo mas ninguém tem razão.
No ambiente familiar no qual cresci, esse tipo de briga pouco acontecia. Provavelmente a comparação com a minha vivência acabou causando um certo “choque cultural” ao ter contato com gente de fora (e, pelo visto, com o resto do país). No fim das contas, lá pela metade deste ano eu me sentia um tanto cansado de ficar olhando essas coisas e focar tão pouco no esporte em si. Os Jogos Olímpicos e Paralímpicos me ajudaram a “reviver” um pouco esse gosto pelo movimento. Mas não tenho energia social suficiente pra ficar caçando conflitos online frequentemente. E nem é bom fazer isto agora, uma vez que já consegui encontrar um emprego mais “estável”. Não me agrada ter de debater tanto em redes cheias de gente maluca e mal-intencionada. E hoje já arranjei um trabalho remunerado para o qual dedicar uma boa parcela da minha atenção, o que tira ainda mais o ímpeto de entrar em brigas nas redes. Vale-me pouco.
Neste ano, em agosto, o perfil completou quatro anos de atividade, comemoração despercebida por conta dos Jogos Olímpicos e da volta às aulas. Por conta da saída do Twitter, continuei traduzindo por cá, desta vez invertendo o eixo e passando a traduzir para o inglês, já que há poucos francófonos e muitos anglófonos por cá — e a despeito dos afazeres domésticos e profissionais, não pretendo parar de traduzir. É algo que me dá gosto, afinal de contas; se não me agradasse trabalhar com as línguas, não teria dado partida a um curso de Letras no meio de uma pandemia. E tanto me agrada que tenho uma tradução engatilhada para o português (desde o ano retrasado, é bem verdade) da série de light novels que me deu as personagens que estampam meu perfil há no mínimo três anos, que ainda pretendo retomar em algum ponto no futuro. Além disto, o blog que tenho poderá também servir de repositório para outras traduções de materiais esportivos, junto com as coisas que mais me agradam. É só que, caso de fato consiga fazer estas coisas, elas serão feitas ao meu tempo. Tudo precisa se encaixar de algum modo.
Aos seguidores que acompanham o Nation, do primeiro dia de operações ou do primeiro dia deste mês, meu muito obrigado. Merci beaucoup de m'avoir fait confiance pendant ces quatre années! J'espère de continuer à vous bien servir, à mes propres conditions, bien évidemment. 😉
Salutations rouge-et-noires à tous! 💌🔴⚫
Malgré les vieilles amertumes
Et les amours qui passent
Les chums qu'on perd dans' brume
Et les idéaux qui se cassent
La vie s'accroche et renaît
Comme les printemps reviennent
Dans une bouffée d'air frais
Qui apaise les cœurs en peine
— Jean-François Pauzé, “Les étoiles filantes”
Macapá, 13 de setembro de 2013, Dia do Ex-Território
Comentários
Postar um comentário